Um projeto-piloto que arrancou em 2023 em 21 empresas portuguesas quis estudar a possibilidade de encurtar a semana de trabalho para quatro dias. Agora, os resultados estão à vista: das 21 empresas participantes, 17 decidiram manter o regime de quatro dias de trabalho. Além disso, 75% dos gestores implicados no teste disseram que não houve custos acrescidos.
Será que um novo paradigma no mundo do trabalho poderá mesmo estar a chegar? Poderemos, a médio prazo, passar a trabalhar quatro dias por semana e a ter três dias de fim-de-semana? Esse cenário poderá estar mais próximo do que pensamos.
Semana de quatro dias de trabalho foi um sucesso nas empresas participantes
Entre junho e novembro de 2023, decorreu um estudo pioneiro que correspondeu ao projeto-piloto da semana de quatro dias de trabalho. Os resultados foram promissores, com 17 a decidirem alargar o período de testes e apenas quatro a decidir regressar ao regime de quatro dias de trabalho. É relevante ainda que a maioria dos gestores (75%) tenha referido o impacto financeiro neutro, sendo que houve empresas que registaram mesmo aumento de lucros durante esse período.
Alguns dos resultados, e o relatório final com a descrição da experiência, foi publicado no site do Instituto do Emprego e Formação Profissional. E ao que tudo indica, várias empresas parecem ter tido aumentos de produtividade, maior satisfação dos trabalhadores, e mais rendimento por trabalhador no regime de quatro dias.
Como arrancou a experiência de quatro dias de trabalho na semana?
Foi o governo de António Costa que decidiu arrancar com o projeto dos quatro dias de trabalho na semana. Com este projeto-piloto, 21 empresas e 332 trabalhadores foram diretamente envolvidos. Mas uns meses antes outras empresas, que totalizam 733 trabalhadores, também já tinham testado este modelo. As empresas participantes atuam em várias áreas, desde a consultoria, aos serviços.
O projeto-piloto previu vários formatos adaptáveis à realidade das empresas. Por exemplo, algumas empresas optaram por um dia livre rotativo na semana, que podia ser à segunda ou sexta. Também houve empresas que davam o dia livre à sexta de forma condicional, mediante as necessidades do negócio. E noutras a sexta-feira manteve-se livre. O objetivo era oferecer o máximo de adaptabilidade, o menor impacto, com a redução efetiva das horas trabalhadas na ordem dos 12% à semana.
Mudanças organizacionais para acomodar semana de quatro dias
Como vimos, a natureza do negócio é fundamental para implementar a redução de horas trabalhadas à semana. O processo de adaptação é exigente e, apesar de se reconhecer os benefícios para o bem-estar dos trabalhadores, nem sempre é fácil de adaptar a natureza do negócio a esta iniciativa.
Dito isto, implementar quatro dias de trabalho implica obrigatoriamente mudanças organizacionais, que devem ser decididas entre patrões, gestores e os serviços de recursos humanos. Por exemplo, reduzir o número de reuniões é fundamental, assim como criar blocos de trabalho dedicados com definição clara de métricas de produtividade. Existe também algum software de automatização de processos, ou eliminação de processos ineficientes, que ajudam a esta adaptação. Além disso, é da maior importância calendarizar reuniões internas ou com clientes e fornecedores, por períodos de tempo reduzidos.
Devemos também ver que um restaurante, que serve refeições todos os dias da semana, dificilmente poderá implementar a semana de quatro dias sem custos acrescidos. Isso implicaria o recrutamento de mais pessoal, pelo que neste tipo de negócios é praticamente impossível avançar com esta ideia.
Não houve impacto nos lucros com semana de horário reduzido
Esta era uma das principais consequências que os gestores das empresas temiam: impacto negativo nos lucros. Contudo, os resultados foram outros, com os administradores e gestores das empresas a pronunciarem-se positivamente sobre os resultados do negócio.
Durante 2023, mais de 70% das empresas participantes reportaram aumento de lucros, com 80% a dizer que as receitas aumentaram. Podemos fazer uma mera correlação entre semana mais curta e aumento dos lucros, mas poderá ser apenas coincidência. Já que a estrutura de negócio não se altera necessariamente com uma reorganização de poucos meses na forma de trabalhar.
Relativamente aos custos, só a creche que participou no projeto-piloto sentiu necessidade de recrutar mais uma pessoa. Nenhum dos outros participantes indicou ter mais custos.
Em relação aos gestores das empresas participantes, 60% disse que não houve redução de custos. A única coisa a apontar é a redução em consumíveis como café, água e papel (uma não-questão para empresas em regime de trabalho híbrido). A eventual poupança poderia advir apenas da redução do absentismo, nas horas extraordinárias pagas ou do não pagamento de outros benefícios.
Como os gestores avaliaram a semana de quatro dias
Tendo em conta toda a experiência com este projeto-piloto, 75% dos gestores indicaram uma experiência neutra no aspeto financeiro, sendo que não nenhum a considerou dispendiosa. Isso é um bom sinal que dá força à semana de quatro dias, removendo receios de que a estrutura de negócios poderá ficar ameaçada.
Faltará apurar aspetos como os benefícios operacionais, apesar de a semana de quatro dias promover qualidade de vida para os trabalhadores, maior satisfação com o ambiente de trabalho. Além de que o grau de produtividade por trabalhador tende a aumentar, o stress a diminuir, assim como o grau de absentismo.
Melhores condições para conciliar trabalho com vida pessoal
Um dos indicadores mais importantes para os trabalhadores envolvidos no estudo tem a ver com o cansaço e a conciliação com a vida pessoal. O cansaço e os efeitos negativos que advêm do trabalho diminuíram em 12% depois deste estudo.
Também houve melhorias ao nível da saúde mental, com uma melhor conciliação com a vida pessoal. Se 50% dos trabalhadores envolvidos diziam ter dificuldades nessa conciliação, no final do estudo só 16% mantinham que é difícil conciliar trabalho com vida pessoal. No que respeita a conciliar trabalho com vida familiar, a indicação de dificuldades desceu de 46% para 17%.
As mulheres foram quem mais valorizou os benefícios do projeto-piloto. 50% referiam dificuldades de conciliação, e ao fim de seis meses do projeto-piloto só 14% diziam que nada se tinha alterado.
Continuar a testar a semana de quatro dias em mais empresas portuguesas
Os autores do estudo deste projeto-piloto referem a importância de continuar a testar a ideia. Particularmente noutros contextos laborais, e com novas formas de organização do trabalho.
O objetivo agora é que, em dez anos, a semana de quatro dias possa vir a entrar em vigor em pleno. Sucedendo-se ao regime de trabalho remoto e híbrido, que foi de implementação forçada devido à pandemia, a semana de quatro dias será a próxima mini revolução. Mas até lá, poderão decorrer experiências a nível nacional.
Uma das experiências com que se quer avançar é alterar as datas de todos os feriados no ano para que, ao longo de três meses, seja sempre feriado à sexta-feira. Isso teria implicações nos meses de abril, maio e junho, e permitiria ver se – à escala nacional e abrangendo toda a população – a semana de quatro dias continuava a ser benéfica.
Durante a transição para a semana de quatro dias, e segundo os autores do estudo, as empresas devem receber incentivos do Estado. Isso inclui benefícios fiscais, menos burocracia, e adaptações ao Código do Trabalho para prever a semana de quatro dias.